terça-feira, 29 de abril de 2014

o que te move

só se conhece uma cidade
qualquer cidade
quando se entra num coletivo
pra ver a rua de cima
pra conhecer a rotina
pra viver o convívio
-
vejo rosto de gente bonita
que acabou de acordar, de mau humor
de um mau amor
gente bonita que se esqueceu
como é não fazer careta de manhã
e franze a testa enquanto espera
vaga pra dormir mais meia hora no banco
do coletivo antes de ir trabalhar
-
cidade só tem graça e vira casa
de verdade mesmo
quando esta deixa de ser
cenário
e passa a ser
enredo

domingo, 13 de abril de 2014

Lunar


“She was like the moon – part of her was always hidden away.”

Passou pela minha frente, virou a esquina, andei o quarteirão e mais uma vez ela estava lá. Andava tão desprendida do mundo que parecia não ser deste planeta. Com os olhos para o céu, buscava algo familiar. Eu só a observava de longe, analisando cada movimento de cabeça para cima...para baixo. Eu já a conhecia, não me lembro de onde, mas conhecia. Nem se eu quisesse poderia esquecê-la, devido à sua beleza e harmonia. Ela balançava os braços e eles estavam leves, levitando entre as correntes de ar que dançavam conforme ela se mexia. Andei mais rápido e fiquei do seu lado. Estava sublime. Percebi que no seu rosto havia um sorriso esboçado, e desse modo, também sorri. Ela fechou os olhos e atravessou a rua, entre os carros. Eu estava apreensiva atrás, rápida, e depois fiquei parada no meio da avenida, desorientada, ofegante, me esquivando, no susto, dos carros que corriam para o seu destino. Ela com muita leveza, chegou do outro lado, olhou para mim e sorriu mais uma vez. Neste momento percebi que seus olhos pareciam duas luas negras. Depois ela fechou os olhos e senti que estava tentando me dizer algo e então fechei os meus também. Respirei fundo e senti a brisa circulando pelo meu corpo, ocupando todo o espaço ao meu redor. Como uma valsa, me desviava dos carros, flutuando no asfalto.

Abri os olhos e o mar estava na minha frente, meus pés descalços parados na areia, enquanto ela  novamente estava lá. Ela entrou no mar e o seu vestido que antes era branco, tornou-se azul, se camuflando com a água. O tempo estava nublado e uma chuva fina caía. Do mar ela me olhava e seus olhos, suas luas, me atravessavam e tomavam conta de mim. Ouvi um sussurro no meu ouvido “Seja a barreira entre a vida e a morte”, e novamente de olhos fechados, caminhei até ela. A água estava fria e a chuva caía sobre meus ombros, mas não me importava, eu só queria olhá-la de perto e sentir a sua presença. O frio já nem me incomodava mais, minha mente estava vazia e o azul me preencheu. A maré subia. Nós mergulhávamos e dançávamos debaixo d’água. Deixávamos a chuva tocar nossos rostos. Cada gota que caía e entrava em mim me fazia sentir viva. Fechei os olhos e flutuei mexendo os braços suavemente. Senti-me como uma gangorra, que balançava para dentro e para fora de mim. Ela só me olhava, sorrindo.

Acordei deitada na areia, com os raios de sol da manhã abrindo meus olhos vagarosamente e o vento cobrindo meus cabelos. Sentei-me, olhei para o mar e fiquei pensando em tudo que havia acontecido anteriormente. Ela não estava mais lá, mas eu podia senti-la. Na minha mão tinha um bilhete embrulhado, escrito:

"É preciso ter asas quando se ama o abismo".

domingo, 16 de março de 2014

Eus

O meu ser está se espalhando para cobrir a inferioridade da existência.

Eu não existo.

São tantos eus meus fragmentados que o original se perdeu.
A escuridão nunca vai desaparecer enquanto a humanidade for humana.
O meu eu de agora é o que habita suas mentes.

O eu que é reconhecido é o eu que faço para ser apreciado.
Mas este não sou eu.
É verdade, mas é apenas uma das realidades.

Este é o seu mundo onde a sua mente decide o que vou fazer.

Eu não existo.

São milhares, milhões de eus.
Como estrelas,
uns com muito brilho
outros apagados
No vácuo eles se propagam.

Se eus são estrelas,
O que são sóis?

Sois
Eu

clichê

domingo de andar arrastado,
e falar pouco como se fosse cuidado
ou preguiça. a calmaria desse vento
é tanta que passa até fazendo cócegas.
é vento que não traz e que não leva.

sábado, 8 de março de 2014

sem título.

quando eu vejo sua voz
passeando por outros ouvidos
o coração descansa, e dorme
é que eu não quero nada disso
eu só quero o mesmo tanto
leve que cabe no bolso
vê se não me olha nesse tom
e nem embala essa culpa pra viagem
eu não quero nada mais do que
essas linhas desalinhadas se mostrando
no canto dos seus olhos quando cê sorri

domingo, 26 de janeiro de 2014

Água

Estava deitada na grama em frente ao lago, quando vi um peixe boiar de barriga para cima. Estava morto. Fiquei o observando, perplexa com a beleza da cena. Ironicamente, o peixe morrera afogado. Cada gotícula o matou. Como veneno, a água entrou em cada barbatana e o definhou lentamente. Para onde ele iria fugir? Estava preso na sua própria vida. Fugir também seria atestar sua morte, visto que o ar lhe mataria de qualquer jeito. Pobre peixe. Viveu numa armadilha o tempo todo. Armadilha que a natureza mesma criou. Nadava para a sua liberdade mas se encontrava preso no azul. Ele teve sim seus momentos de felicidade, mas se sufocava com tanta vida. Tentava escapar e colocava a cabeça para fora d'água, mas o ar rapidamente absorvia tudo aquilo que ele tinha de bom. Ele viveu sozinho, dentro de um coral, não conversava com os outros habitantes marinhos, só saía para caçar, e mesmo assim com a esperança de ser caçado primeiro. Até que um dia ele se cansou, para falar a verdade, ele nunca pediu para nascer, viver sufocado já não dava mais. Então ele parou e deixou que a natureza agisse. O lago atendeu seu pedido, o elevando para o céu. Na água ele nasceu, na água ele viveu e na água ele ficará, para sempre.
Os olhos anestesiados,
de vista cansada de querer ver,
despertam-se aos poucos.

O vento carrega a neblina pra longe.
Da janela, descobre outros inéditos tons
agressivos, invasivos.

Lá fora é diferente...
há vida e há cor.

Ávida, se joga.
Livre, finalmente, do azul imutável
onde sempre esteve presa.